domingo, 24 de junho de 2007

PARANÓIA DE BÚFALO

Eu paro e fico pensando que talvez alguns dos próximos passos sejam prejudicados por coisas que eu ainda não fiz. Só paranóia mesmo. Eu não acredito inteiramente nisso. De uma forma ou de outra eu fico pensando que talvez eu não consiga ir muito longe antes de voltar e fazer o que parte de mim acha que eu deveria ter feito. Ignorar a atitude madura de ficar em casa e ficar calada e agir sobriamente, nem que isso signifique não estar propriamente sóbria – dói menos, né? Dizem... – ignorar a atitude superior – nessas horas é preciso ter classe, não se alterar – e fazer logo tudo errado e impulsivamente, sabe-se lá por quê. Só pra acalmar a paranóia, destruir a possibilidade e transformá-la em fato. O problema nem são os fatos consumados. Talvez nem a frustração pelos não consumados, porque, como dizem por aí, tudo passa, até a frustração. Principalmente quando vem com uma pontada de raiva. Digo raiva mesmo. Raiva crua, raiva nua, raiva pura. Provoque um búfalo e espere a reação: ele vai se defender e atacar porque vai sentir raiva. A frustração passa mais fácil quando vem com essa raiva pura de búfalo. E nessas horas eu lamento não ser búfalo. Tem tantas coisas... Tantas obrigações sociais, morais, éticas, espirituais. Duvido que um búfalo pague por isso. Ele passa por cima do seu carro, quebra tudo, desconta tudinho mesmo, não guarda mágoa, de imediato ele acaba com o peso e quem sabe até com a raiva e nem por isso podemos julgá-lo mal. Mas usamos essa máscara burra de humano para fingirmos que não somos animais e que não sentimos raiva de búfalo porque temos classe. F***-se a classe, o búfalo é mais feliz. Qualidade de vida, entende? Enfim, como eu ia dizendo, o problema não é o que houve ou o que não houve, até porque depois que você sabe que passou mesmo (e de fato passou) pouco importa o que aconteceu, veste-se logo de uma vida nova e fica-se sorrindo feito bobo, contemplando as novas possibilidades. O problema mesmo são as fagulhas. O restinho de existência que não vai embora. Tem até umas teorias científicas que dizem que um pedacinho de energia sai do seu corpo quando você morre e continua por aí. Fagulhas. São uma m*** – perdoe-me o palavrão – todas essas fagulhas que ficam, tipo o nome da rua que é igual ao do irmão de uma menina que estudou com você há onze, doze anos, e que você poderia muito bem ter esquecido, mas não esqueceu, o número do telefone que é igual à placa do carro na sua frente por uma hora e meia no engarrafamento, a música que toca numa propaganda estúpida que você teve o azar de chegar bem na hora que estava passando na casa de não-sei-quem-que-quase-não-tem-influência-na-sua-vida, mas a propaganda tinha que ter aquela música imbecil pra acabar com o seu dia, porque, como sabemos, fagulhas acendem com o mínimo ventinho e o mínimo carbono. E o pior, depois da raiva de búfalo e das obrigações sociais, morais, éticas e espirituais que te impediram de gritar, passar por cima do carro e quebrar tudinho, as fagulhas acendem sem luz, sem calor, vão só consumindo a imagem bonita de vida nova e desmanchando seu sorriso bobo de quem contempla as novas possibilidades, tipo fogo da gasolina de carro de corrida. Não fossem as malditas fagulhas, tudo estaria lindo. As fagulhas que trazem a paranóia de que pra destruí-las eu tenho que voltar e tratar a minha raiva instintivamente como se eu fosse búfalo – e quem sabe eu até seja – e passar por cima do carro e gritar e quebrar tudinho. As fagulhas, literalmente, filhas-da-p*** é que me fazem pensar que talvez eu empaque, e, por não ser búfalo, vire asno, e não dê um passo à frente e fique repetindo as mesmas possibilidades a partir das mesmas coisas estúpidas e não faça mais nada se eu não voltar fizer algo. De qualquer forma, eu não acredito inteiramente nisso. É só paranóia de búfalo.