sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

ré bemol com sétima menor

Eu acho que houve mesmo aqueles momentos em que a gente se permitia fazer de tudo. Era engraçado. Era muita experimentação. Nosso constrangimento quando descobríamos que não era bem aquilo. Porque, pelo menos pra mim, a transgressão quase sempre vinha com alguma dor. Ou por esforço, ou por eu glorificar demais aquela merda. Tudo tinha um gosto muito azedo. Doía. Mas era glorificante. A gente não sabia de nada. Eu não sabia de nada.

O fato é que muitas vezes a gente fazia coisas grandes, sabe? E quase nunca era do jeito que eu esperava há, há, há. Eu, apesar de tudo, tinha ideais muito puritanos. Eu sonhava alto. Sonhava que a arte poderia servir como um instrumento de renovação espiritual e na época todo mundo riria disso, sabe? Na verdade não. Eles iam fingir estarem sacando tudo. Iam se fingir de aliados, mas por dentro estariam gargalhando. Eles queriam chegar longe com aquilo, mas não sabiam nem pra quê. Você entende? Era tudo muito sem propósito. E eu estava naquilo pra sobreviver. Porque fora dali tudo me doía demais. Eu sei que talvez pra eles também fosse assim, mas eles eram fortes lá dentro entende? Eu não. Eu buscava significado em tudo. E você pode imaginar: eu era o retrato da frustração.

Quando eu entendia bem as coisas eu sabia que não tinha nada a ver com amor ou admiração. Eu ia me permitir sentir tudo aquilo. Era realmente como uma grande devoção. Eu ia fazer músicas sobre aquilo, ia escrever, mas se você se aproximasse demais eu chutaria. Como chutei.

A gente não ficava parado nunca. Era bizarro como sempre estava acontecendo alguma coisa e quando nada acontecia era tipo o fim do mundo. Eu precisava de movimento, atividade, não importa o que fosse. Eu não media nada. Não me importava aonde aquilo ia me levar, eu só não queria ficar aqui.

Mas disso tudo eu acho que aprendi a absorver as coisas sem ter a sensação de posse. Isso dá um poder absurdo, porque, uma vez que você não possui algo, não pode perder, certo? E absorver tudo isso é uma experiência única. Cá estou eu falando do passado, sem dor. Ele não é meu. Eu não tenho passado. Você não entende, né? Isto está ficando ridículo e quase sentimental. Vou parar. Não quero uma música tocando na sua cabeça.