terça-feira, 25 de dezembro de 2007

SACO DE PÃO

Me desculpa por começar a escrever assim depois de tanto tempo sem nenhuma boa razão aparente. Às vezes a gente senta aqui (e estou falando de mim agora) e percebe que ainda é o mesmo quarto, que a luz continua ruim e que esse teclado ainda vai me matar de tendinite. Não vou começar com minha hipocondria agora. Foi só algo que eu percebi. Às vezes dá vontade de comentar, sabe? Como daquela vez que você viu uma loja com o meu nome. Eu passava por ali tantas vezes na semana e nunca tinha reparado e agora já faz mais de um ano e eu reparo todo dia. Não que isso seja algo muito grandioso. É só uma espécie de vínculo idiota. Só pra você ter um pensamento quando não vier nenhum.
Você deve estar ainda se perguntando por que eu resolvi escrever. Tá. A verdade é que eu não estou escrevendo pra você. Não sei se você já fez isso, mas é uma coisa que eu faço às vezes (mas também sempre acabo dando um jeito de a pessoa descobrir a verdade no final). Isso de escrever pra tantas outras pessoas e mandar a carta assim “olha o que eu te escrevi”. Mas se um dia isto chegar até você, você saberá que é mentira, porque eu não mando cartas. Mas você também julga saber demais sobre mim. Seria precipitado pensar assim, meu bem. Eu escrevo dezenas de cartas por ano e se eu não mando, tenho meus motivos. Muitas vezes esse é um dos motivos. Pra quem mesmo eu estou escrevendo? O seu nome tem de vir bem no começo, senão tudo se perde e se confunde. Mas não há mal nenhum nisso. Por fazer assim eu sempre passo um tempão sem dar notícia e aí você para de lembrar de mim. Eu dou férias às suas lembranças. Só que agora é justamente pelo contrário que eu estou escrevendo. Porque esses dias eu não vi loja nenhuma com o seu nome, mas achei que seria importante comentar que ainda me lembro dele.
Hoje fui arrumar uma gaveta e lá estava, feita à mão, uma das cartas que eu tinha escrito, em parte, para você. E eu reli e entendi perfeitamente o que queria dizer. Eu achei que não entenderia mais. Nossa comunicação era estranha aquela época, lembra? Éramos cheios de peculiaridades. Mas, pasme, eu entendi perfeitamente. Começava assim, eu contando, como que num diário, sobre aquele texto que você tinha me mostrado. Mesmo que em nenhum momento eu fale isso claramente, eu me lembro. Eu vou explicando que quando eu comecei a ler eu não consegui me concentrar no que você queria dizer com ele (desculpa). No meio da leitura minha linha de raciocínio foi cortada pela constatação de que você gosta de escrever e isso era uma coisa que eu não sabia. Você já tinha me dito, mas eu não tinha levado muito a sério. Acontece que seu texto me fez perceber que você tem grande talento pra coisa e aquilo me fez te admirar, sabia? Eu vou falando isso na carta. É o sentido oculto que você não entenderia se eu tivesse te mandado e por isso eu não mandei e agora esta é uma memória a mais que eu tenho de você e que você não tem de mim.
Engraçado que no final tem um pedacinho de texto. Uma coisinha pequena e boba que eu te mostrei, mas fiz o oposto: disse que não era pra você. Disse que até poderia ser mas não era, não daquela vez. Não sei se você entendeu. É que eu não costumo mesmo deixar essas coisas bem nítidas “isso é pra você, isso é pra fulano”. Perde um pouco a graça, a magia. E, conhecendo você como eu conheço, você não sossegaria até entender o que me levou a escrever aquilo. Só a longínqua possibilidade de ter sido pra você já te fez me perguntar por dias. Depois não reclame por eu não mandar cartas e não venha me dizer que aquilo era você tentando me entender. Se tem uma coisa que você não fez com empenho foi tentar me entender.
Eu não. Te dei papel e caneta pra você desenhar. Sabia que você descobre coisas incríveis a respeito de uma pessoa ao observá-la desenhando? Eu também fui lá naquele lugar onde eu não conhecia ninguém e fiquei olhando como você se comportava com eles, velhos conhecidos. E até que eu me identifiquei bastante. Pena (ou sorte) que esse tipo de identificação não sustenta nada. Talvez você não saiba de metade das coisas, mas você nunca me levou com aquela história de “eu aceito você assim como você é”. Ora, isso exclui todas as minhas possibilidades de ser alguma coisa. Por isso eu te provocava. Queria te ver com raiva. Queria te ver não aceitar alguma coisa. Você é uma criatura bizarra, meu bem. Isso é fato comprovado! Quando não engole tudo, o bem e o mal de uma só vez, abre os braços e não segura nada. Se eu já soubesse não teria insistido uma só vez e teríamos passado um pelo outro nesta vida como desconhecidos jamais revelados. Sabe o que eu te diria depois de tudo? Pare com isso, ora! Tente entender um pouquinho da complexidade das coisas e das pessoas, isso te ensina bastante. Isso te faz valorizar coisas concretas e distinguir direitinho o que vai te fazer bem e o que não vai. Não aceite que te maltratem, grite mais alto que eles de vez em quando e não os abandone quando encontrar algo que não puder engolir. Às vezes as pessoas com quem você cria vínculos, por mais estúpidos que sejam, precisam de você.
Mas não me leve tão a serio. Esta carta não é pra você. Até que poderia ser, mas não é. Não desta vez. Eu não tenho mais nada a te dizer, lembra? Ok. Desculpa por ter levado o assunto a um nível dramático demais, mas eu precisava falar.
Sabe? Teve outra coisa que me fez lembrar você esses dias. Eu passei na frente de um bar decadente. Eu no carro e era domingo. Não lembro bem pra onde estava indo, muito menos o que foi que me fez lembrar, era uma placa, lembro disso. Mas lembro mesmo que dei uma gargalhada e foi engraçado. Faz sentido eu comentar se eu não lembro o que era? Tá. Não comento mais. Só queria terminar a carta com uma gargalhada, ao invés de um conselho. Conselhos não valem nada. Gargalhadas valem muito.