segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Esta noite tive um sonho estranho.
Sonhei que numa casa, ao nordeste do Brasil, litoral, havia um pasto com vacas.
Aconteceu um dia de uma das vacas começar a crescer desproporcionalmente às outras e à tudo ao redor. E por ser muito grande e forte não havia quem a domasse.
Ia caminhando ao seu passo irracional de vaca, com suas enormes tetas a derrubarem o que tocavam e suas largas patas a afundarem o chão.

Eis que ao fim de um dia, ainda mais crescida, como ao fim de todos os dias, tentou adentrar sua casa, que de súbito rompeu-se a não sustentar os passos da grande vaca, nem muito menos seu violento movimento de expansão para todos os lados.

Após tal acontecido, foi chamado o pescador mais nobre da redondeza, que muito habilidoso com cordas e marés teria ou força para a conter, ou bravura para morrer tentando.

Joga a corda o pescador ao redor do pescoço da vaca que se debate. É arremessado para todos os lados, voando preso por seu nó. Após algum tempo resistindo, a vaca quase que por entender, mais do que por cansar, para. Dobra suas pernas e deita. Para também o pescador que dorme espalhado em seu pescoço, agora cúmplice.

E encerra-se assim o sonho. Acordei com frio no meio da noite.
Me pareceu infantil e absurdo e logo voltei a dormir.


Lisboa, 11 de outubro de 2010.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

prelúdio para o manifesto calango

Há de se transfigurar a "realidade". Esta é a única saída para os nossos velhos olhos cansados e condicionados a ver a partir da nossa, ainda mais velha, vontade. Existe um mundo onde as coisas simplesmente existem. O mundo que permanece após fecharmos os olhos. Quando criança eu tinha o sonho de ver meus olhos fechados no espelho. Tinha uma fixação por ver através das coisas. Fechava a porta da geladeira com um dedo preso para que ficasse um furo que me permitisse ver lá dentro. Como as coisas devem se comportar quando eu não estou olhando? Convivia com essa sede por burlar meus olhos, meus filtros interpretativos, minha vontade. Tinha uma sede por excluir de mim meus contextos. Após consecutivas frustrações, eis que eu desisto. Talvez esse mundo seja mesmo opaco e cheio de paredes. Paredes móveis, talvez. Com cobogós ou brises... com furos através dos quais podemos ver quando há a luz exata e o momento exato de concentração ou de desconcentração. É preciso que o mundo se apresente a nós sem que esperemos resposta, mas nossa prepotência nos responde precipitadamente. Na confusão da sobrevivência, aceita-se qualquer verdade essencial de si mesmo. É preciso banir os filtros e para isso há que se ter todas as experiências do mundo, ou nenhuma. Estamos condenados ao meio termo. Um mundo onde nunca estaremos sós, mas seremos sempre singulares, tantos elementos não nos bastam na busca por essa completude. Para que se possa ver é preciso esquecer. É preciso fechar os olhos e olhar no escuro. É preciso derrubar as paredes que nos isolam do mundo à parte de nós. É preciso furar as caixas e sentir a luz. De onde vem, para onde vai, ou pelo menos por onde ela vai passar. É preciso ver diferente, não necessariamente reconhecer ou se dar conta disso, mas simplesmente ver.




*texto escrito em algum momento do ano de 2008.