domingo, 7 de fevereiro de 2010

prelúdio para o manifesto calango

Há de se transfigurar a "realidade". Esta é a única saída para os nossos velhos olhos cansados e condicionados a ver a partir da nossa, ainda mais velha, vontade. Existe um mundo onde as coisas simplesmente existem. O mundo que permanece após fecharmos os olhos. Quando criança eu tinha o sonho de ver meus olhos fechados no espelho. Tinha uma fixação por ver através das coisas. Fechava a porta da geladeira com um dedo preso para que ficasse um furo que me permitisse ver lá dentro. Como as coisas devem se comportar quando eu não estou olhando? Convivia com essa sede por burlar meus olhos, meus filtros interpretativos, minha vontade. Tinha uma sede por excluir de mim meus contextos. Após consecutivas frustrações, eis que eu desisto. Talvez esse mundo seja mesmo opaco e cheio de paredes. Paredes móveis, talvez. Com cobogós ou brises... com furos através dos quais podemos ver quando há a luz exata e o momento exato de concentração ou de desconcentração. É preciso que o mundo se apresente a nós sem que esperemos resposta, mas nossa prepotência nos responde precipitadamente. Na confusão da sobrevivência, aceita-se qualquer verdade essencial de si mesmo. É preciso banir os filtros e para isso há que se ter todas as experiências do mundo, ou nenhuma. Estamos condenados ao meio termo. Um mundo onde nunca estaremos sós, mas seremos sempre singulares, tantos elementos não nos bastam na busca por essa completude. Para que se possa ver é preciso esquecer. É preciso fechar os olhos e olhar no escuro. É preciso derrubar as paredes que nos isolam do mundo à parte de nós. É preciso furar as caixas e sentir a luz. De onde vem, para onde vai, ou pelo menos por onde ela vai passar. É preciso ver diferente, não necessariamente reconhecer ou se dar conta disso, mas simplesmente ver.




*texto escrito em algum momento do ano de 2008.

Um comentário:

Fernando disse...

Para ver a realidade plenamente, ter-se-ia de estar não somente além de si mas do próprio fluxo/rede de acontecimentos. Pois qualquer elemento que exista interage com os demais componentes da reality.

É difícil excluir-se da teia de interações baseadas no Princípio da Ação e Reação. Para existir, é preciso forma (.) (?) (,) é preciso ocupar espaço (.) (?) (,) é preciso estar em cima de algo e embaixo de outro algo (.) (?) (.) trocando vibrações - ao menos térmicas (?) (.) - com o entorno (.) (?)

Onde está Deus? Ou melhor, como se tornar Deus? Será que, sendo Deus, poder-se-ia excluir-se dos processos do espaço/tempo e obter um juízo imparcial do que quer que seja? Somente se fôssemos Deuses não-criadores, mas sim, Deuses presos à contínua infindável apatia de observadores passivos. Dedicando todo o tempo, mesmo estando além dele, a observar - mesmo sem retinas, pupilas, antenas ou óculos.

Que graça tem ser Deus, então?