terça-feira, 19 de abril de 2011

define: superar.*


*texto extraído de um e-mail a uma amiga de infância.
**trilha sonora: "Hidaway" - Karen O and The Kids.

Lisboa, 19 de abril de 2011.

Você tem agora a opção de ler ou não este texto. De verdade, não é preciso.

Acontece que senti, de repente, transbordar em mim uma vontade de me expressar.

Uma coisa me é peculiar - e este auto-conhecimento eu adquiri após começar a estudar arquitetura - sempre que eu perco uma noite de sono, eu procuro me recompensar no outro dia... quase como um "siga em frente".

Estes dias eu tenho perdido várias horas de sono, primeiro porque a noite é um momento naturalmente solitário e é o momento em que a solidão é mais pesada e você não pode sair pra rua ou fazer qualquer atividade que te dê um momento genuíno de alegria - você só espera e dorme. Eu tenho esperado bastante, mais que o usual, e minha cortina quebrou poucas semanas depois de eu me mudar pra cá, então todo dia eu tenho o sol me acordando já cedo. Isso ocasiona uma recompensa involuntária no dia seguinte, desta forma eu tenho produzido muito menos, tenho faltado a reuniões com minhas equipes portuguesas e trabalhado excepcionalmente pouco (tu tem ciência do meu volume de trabalho normal...).

Por outro lado, eu tenho me permitido explorar outras dimensões dessa experiência que é estar aqui do outro lado do atlântico (que eu ainda não toquei). Não tenho comigo um violão pra compor e acho que, como Portugal, estou com um déficit na minha produção... No entanto, a poesia dessas ruas tortas e o segredo que se aprende ao subir essas escadas (aqui eles constroem escadas nas ruas quando elas são muito inclinadas) têm, de certa forma, me preenchido e eu me considero em um momento de "licensa poética" - tirei licensa pra viver um pouquinho de poesia (que em Lisboa é imperatriz, isso não se discute).

Fico feliz pensando nisso e isso é como um refresco pras feridas ainda quentes que eu inevitavelmente tenho tido de carregar. Subir as escadas com feridas quentes é quase sempre bem duro, mas tenho criado resistência pra isso e perceber isso me faz sentir muito bem.

Tu é (peço licensa pra concordar o verbo errado) uma pessoa que esteve presente em outros momentos em que eu me deparei com sentimentos parecidos e agora eu quero compartilhar contigo: olha, eu acho que cresci, veja que coisa maravilhosa! Dessa vez não parece que minha dor vai mudar o mundo ou que eu deva escrever uma música ou uma carta muito triste pra exorcizá-la. Há momentos, sim, em que ela grita e eu preciso sufocá-la e pôr dentro de uma gaveta e fazer qualquer coisa pra ignorar (sim, há momentos em que se deve ignorar esses instintos quase animais, pelo menos tenho acreditado nisso). Mas em geral, tenho agüentado conviver com ela e comigo mesma.

Hoje foi mais um dia de pouca produção (mas é feriado e eu sou brasileira e feriado é sagrado - pelo menos tem sido pra mim nas bandas de cá) e depois de um tempo olhando a lua subir por detrás dos prédios baixos da minha rua, tomei um banho e busquei no google a definição do verbo "superar", porque têm me repetido muito essa palavra e me exigido essa postura, como se sem isso qualquer outra coisa fosse inviável... e eu não sei mesmo o que isso significa... bom, o google também não sabe, foi o que eu descobri.

Mas eu toco (ou toquei por muito tempo) de ouvido e outras vezes também já demonstrei perícia ao executar atividades que eu não sabia muito bem o que eram. Não é bem improvisar... É descobrir como faz, fazendo, e no final, de certa forma, saber fazer outra vez. Assim espero que seja com essa coisa que agora me pedem... Devo aprender a superar, superando - seja lá o que isso for.

No mais, tudo corre bem. Amanhã viajo - de carro pela costa norte de Portugal até Santiago de Compostela, na Espanha. É uma peregrinação em busca do caminho - pra mim o caminho é o mais sagrado de tudo.

Se tu tiver chegado até aqui, espero uma resposta tua.

Fica bem.




camila.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Esta noite tive um sonho estranho.
Sonhei que numa casa, ao nordeste do Brasil, litoral, havia um pasto com vacas.
Aconteceu um dia de uma das vacas começar a crescer desproporcionalmente às outras e à tudo ao redor. E por ser muito grande e forte não havia quem a domasse.
Ia caminhando ao seu passo irracional de vaca, com suas enormes tetas a derrubarem o que tocavam e suas largas patas a afundarem o chão.

Eis que ao fim de um dia, ainda mais crescida, como ao fim de todos os dias, tentou adentrar sua casa, que de súbito rompeu-se a não sustentar os passos da grande vaca, nem muito menos seu violento movimento de expansão para todos os lados.

Após tal acontecido, foi chamado o pescador mais nobre da redondeza, que muito habilidoso com cordas e marés teria ou força para a conter, ou bravura para morrer tentando.

Joga a corda o pescador ao redor do pescoço da vaca que se debate. É arremessado para todos os lados, voando preso por seu nó. Após algum tempo resistindo, a vaca quase que por entender, mais do que por cansar, para. Dobra suas pernas e deita. Para também o pescador que dorme espalhado em seu pescoço, agora cúmplice.

E encerra-se assim o sonho. Acordei com frio no meio da noite.
Me pareceu infantil e absurdo e logo voltei a dormir.


Lisboa, 11 de outubro de 2010.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

prelúdio para o manifesto calango

Há de se transfigurar a "realidade". Esta é a única saída para os nossos velhos olhos cansados e condicionados a ver a partir da nossa, ainda mais velha, vontade. Existe um mundo onde as coisas simplesmente existem. O mundo que permanece após fecharmos os olhos. Quando criança eu tinha o sonho de ver meus olhos fechados no espelho. Tinha uma fixação por ver através das coisas. Fechava a porta da geladeira com um dedo preso para que ficasse um furo que me permitisse ver lá dentro. Como as coisas devem se comportar quando eu não estou olhando? Convivia com essa sede por burlar meus olhos, meus filtros interpretativos, minha vontade. Tinha uma sede por excluir de mim meus contextos. Após consecutivas frustrações, eis que eu desisto. Talvez esse mundo seja mesmo opaco e cheio de paredes. Paredes móveis, talvez. Com cobogós ou brises... com furos através dos quais podemos ver quando há a luz exata e o momento exato de concentração ou de desconcentração. É preciso que o mundo se apresente a nós sem que esperemos resposta, mas nossa prepotência nos responde precipitadamente. Na confusão da sobrevivência, aceita-se qualquer verdade essencial de si mesmo. É preciso banir os filtros e para isso há que se ter todas as experiências do mundo, ou nenhuma. Estamos condenados ao meio termo. Um mundo onde nunca estaremos sós, mas seremos sempre singulares, tantos elementos não nos bastam na busca por essa completude. Para que se possa ver é preciso esquecer. É preciso fechar os olhos e olhar no escuro. É preciso derrubar as paredes que nos isolam do mundo à parte de nós. É preciso furar as caixas e sentir a luz. De onde vem, para onde vai, ou pelo menos por onde ela vai passar. É preciso ver diferente, não necessariamente reconhecer ou se dar conta disso, mas simplesmente ver.




*texto escrito em algum momento do ano de 2008.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

el camino es largo, pero tengo que seguir
aunque sea tarde en los hijos por venir
saque el pueblo del silencio
hoy es tu vez de vivir o morir.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Eightball

mais daniel clowes!



baixe a 1a edição da revista 'eightbal' do talentoso daniel clowes!
http://www.mediafire.com/?3zyjoxk41o9

para abrir o arquivo (extensão .cbr) você vai precisar de um software chamado "comical". nada que o google não resolva!

boa semana e feliz ano novo.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

phot-o-graph



desenho original de daniel clowes.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

série figuras nos ônibus



tem coisas na vida que me fazem sentir como coadjuvante de um filme.

por exemplo, entrar no ônibus errado junto com o casal mais estiloso da semana, quiçá do mês, ver a menina descer algumas horas antes do cara, sentir ele pedir pra ser desenhado enquanto olha neurótico pra janela a cada dois segundos no pior trânsito em muito tempo. estar numa manhã cinza e abafada em fortaleza (que nunca é cinza nem abafada) atrasada para uma palestra que no final de tudo nem vai acontecer, passando em frente a um fusca bege que está a venda por r$ 4500,00 e ver o cara estilo levantar e olhar o fusca em cada um dos seus detalhes e então você pensar "sai! eu passo aqui todo dia e vejo ele todo dia! eu cheguei primeiro!" e então você vê ele balançar a cabeça como quem diz "caro demais" e fica mais aliviada mesmo sabendo, no fundo, que você nunca vai comprar aquele fusca. então o ônibus pára de novo e vocês descem na mesma parada e você acha todo aquele estilo tão artificial que dá vontade de ser sempre desarrumada e sente vontade de desviar o caminho mesmo que desviar o caminho signifique dobrar uma rua antes do que você precisaria e você faz isso e exatamente quando você se vê há menos de um quarteirão de onde queria chegar o cinza vai desaparecendo e vem chegando um vento e no seu ipod começa a tocar uma música muito feliz...

esse mundo é mesmo estranho.