domingo, 27 de maio de 2007

O Conto.

*O texto a seguir foi escrito em janeiro de 2007.




Não existe felicidade roubada. A verdade é que está tudo dentro da sua cabeça, tanto quanto uma pílula de açúcar o faria sentir coisas inimagináveis. Tanto quanto você mataria e morreria em nome de Deus. Tanto quanto acreditaria a vida inteira que o céu é azul, ainda que fosse incapaz de distinguir cores. Fatalmente sugestionado a acreditar no que - do fundo de sua essência - quiser. No que for mais cômodo, mais poético, mais polêmico, mais bonito. Como se o mundo inteiro fosse mero cenário de um conto que você criou. As pessoas são meros personagens, que, para sua tristeza, você não pode controlar. Sequer prever. Andam por aí se preocupando em como interferir. Em como mudar o rumo das coisas. Especulando sua vida, até que as cortinas se abram e chegue a hora de participarem.
Mas nada disso é verdade. A realidade é que os acontecimentos fogem ao controle das suas idéias. As atitudes alheias são alheias à sua vontade e, raramente levam em consideração a sua existência. As pessoas andam por aí chutando pedras, pisando em folhas secas, movendo poeira e partículas e, às vezes, acabam atropelando você. Sem o intuito, por tantas vezes, sequer percebem. Quantos jamais calculam... Pensar é tarefa árdua e leva, constantemente, a enganos. Enganos que riem do seu conto particular. Riem da sua dor, da sua poesia, da sua beleza, do significado da sua vida inteira. O fazem parecer poeira, partículas.
Tão pequeno é você diante disso. Do curso natural das coisas. Do tempo dos outros, que por tantas vezes atropelam o seu. Não, não se sinta tão importante. Não foi premeditado. Não foi calculado. Simplesmente aconteceu. Ainda que doa. Ainda que tenha derrubado suas paredes. Ainda que tenha lhe levado embora a fé na vida. Não foi calculado. Nada tem a ver com sua vontade. Os casos de crueldade não se encaixam aqui. Não no destino descontrolado e apressado. Mesmo que tenham pensado em você, se preocupado, tudo foi feito da maneira mais decente possível. Ainda que não pareça. Ainda que afundados e rodeados por toda essa lama, nós, personagens do seu conto, tentamos fazer as coisas com o máximo de decência, para o caso de perdermos o sono alguma noite, algum dia. Precavidos contra a angústia, que em meio à lama onde estamos, acaba sujando seus pés, suas paredes, seu livro, sua pintura, e, raramente, nos invade. Essa angústia que o consome agora, nós não sentimos aqui. Fomos os mais decentes que pudemos e se você está fodido... É uma pena, pois não deveria ter escrito o conto assim.
Mas isso não é um conto. É um conto o que você sentirá com a lisérgica pílula de açúcar. É um conto a cor que usará pra pintar o seu céu. É um conto o nome que você dará à sua ânsia de matar e morrer. É um conto o inatingível centro produtor de idéias e conceitos dentro da sua cabeça. O que o anestesia e o fere diariamente. O freio e o grito instigante. Esse é o conto. Descubra como escrevê-lo. Aperte bem os olhos para fugir de você. Da sua maneira de ver as coisas. Cante destoando. Cante fora do tempo. Grite de madrugada. Simplesmente para ver como seria se tudo fosse diferente.
Mas, ainda assim, eu não acredito que essa fórmula funcione sempre. Talvez essa não seja a fórmula. Talvez essa não seja bem a maneira correta, enfim. Não posso dizê-lo. Não teria como escrever aqui. Mas descubra qual conto você pode escrever. Que parte da vida pode controlar. E, antes que todas as paredes desmoronem, antes que seu último fio de cabelo afunde na lama, antes que não possa mais ouvir a música de fundo, porque tem um choro gritando mais alto dentro de você. Antes que perca a vontade. Antes que deixe de se importar, escreva.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Trecho de uma carta pro Zé.

" (...)À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Andei escrevendo bastante esses dias. Algumas cartas pra todos e pra ninguém que talvez ninguém leia, coisas bem adolescentes mesmo. Andei conhecendo coisas novas pra mim e antigas, como os Buzzcocks (banda de quem a Enid, do Ghost World, é fã), Iggy Pop, Velvet Underground, The Exploding Hearts, Big Star e por aí vai. Influenciadíssima pelo novo baixista da Café o cara mais nerd por rock’n’roll que eu já conheci na vida e que nem por isso se torna um chato-metido-a-cult. Eu tento, tento, tento, mas não consigo não concordar com a teoria providencialista do João Luis que diz que a Café Colômbia é uma banda de muita sorte. Toda vez que uma coisa muito ruim acontece, acontece logo depois alguma coisa muito boa. Não é nossa culpa!
Criei um blog novo (zineophobia.blogspot.com), o nome é inspirado naquela loja legal de CDs, revistas, discos, vídeos e afins que a Enid e a Rebecca freqüentam nos quadrinhos do Ghost World. Eu tenho publicado umas bobagens meio dramáticas, meio existencialistas (meu Deus, como eu não queria que isso fosse tão a minha cara), mas estou pensando seriamente em pirar de vez (para os meus padrões antigos) e assumir uma identidade única ali que não tem nada de dramática nem existencialista e que simplesmente absorve as coisas legais desse so-called-rock’n’roll-world – e por rock’n’roll world entenda não uma cena ou glamour ou algo parecido, mas simplesmente alguém viver intensamente referencias roqueiras como ouvir muita música, ser meio fora do “sistema”, etc etc etc – uma coisa bem adolescente mesmo, que quanto mais o tempo passa, mais eu descubro que ser adulto é uma experiência dramática e existencialista chatíssima e que eu quero chegar aos 52 anos igualzinha à Kim Gordon (ou à imagem que eu tenho dela), e viver sob uma atmosfera tão leve quanto à do rock adolescente sem grandes questões filosóficas, dramáticas e existenciais. E eu quero também, com tudo isso aliviar a minha alma e, de certa forma a de quem se identificar e for capaz de captar a minha arte, ou algo que o valha. Afinal de contas foi por isso que não descansamos até arrumarmos um violão e aprendermos a tocar nos primórdios de tudo, né? Será que eu consigo? É um plano meu."

sábado, 19 de maio de 2007

Neste exato momento.

Às vezes eu acho que vou pirar por não fazer nada. Toda essa existência sendo disperdiçada... É um pensamento que eu tenho constantemente e que provavelmente eu roubei de algum lugar: existe um sol que pode ser agradável com ondas quebrando (sim, ondas quebrando... e eu nem gosto de praia tanto assim..) existem árvores e sombras dessas arvores projetadas sobre gramados e existem formigas nos gramados e formigas de cores estranhas. Existem novas pedrinhas em lugares diferentes esperando ansiosamente que alguém chegue e filosofe “de onde vêm as pedrinhas?” com a mesma inocência com a qual uma criança filosofa “de onde vêm os bebês?”. Existem cheiros nas flores... Dá pra imaginar isso?! Existem cheiros nas flores antes mesmo de existirem perfumes! Existem sombras se mexendo e fazendo uma dança engraçada, e, neste exato momento tem uma libélula posada na ponta de um galho de uma árvore e um passarinho posado na ponta de um outro galho de uma outra árvore. Neste exato momento, o sol começa a se por e pinta o céu e as nuvens de cores novas que fazem novos desenhos a cada sopro do vento. Cada dia é um novo desenho com novas cores a cada sopro. Neste exato momento a água do mar ou de um rio está ficando mais quente e começa a refletir com mais precisão e mais suavidade tudo o que está acima dela. Neste exato momento o vento está batendo nas folhas de alguma planta e os passarinhos começam a voltar pras suas casas (como diria minha mãe), e se você ficar olhando pro céu, verá bandos deles fazendo outros desenhos bonitos e que mudam a cada variação de velocidade entre eles. Também ouvirá o barulho que eles farão ao se despedirem disso que existe fora de suas casas. Neste exato momento eu até tenho a minha mãe e ela não está aqui pra me mostrar o céu e os bandos de passarinhos que voltam pra casa. Neste exato momento em que as pedrinhas já quase desistiram frustradas de esperar seu filósofo, que as ondas quebram com menos força e o mar vai, como se também estivesse voltando pra casa, adentrando cada vez mais. Que o sol vai brilhando com menos força a despeito da água dos rios e mares e variações, que vai ficando mais quente. Neste exato momento eu estou aqui, apodrecendo minha juventude.

A filosofia de ônibus voltou.

A filosofia de ônibus voltou. Entro. Sento na cadeira da frente. Pego o melhor lugar. Atrás de mim um velho com chapéu do interior e barba de três dias. Meu egoísmo me conforta: “no meu lugar ele não teria pensamentos tão furtivos.” Egoísmo. Preconceito. Julgamento, enfim.
Sento-me na minha poltrona com vista para as avenidas e almas penitentes sob o sol do meio-dia na cidade da luz. Penso. Quantas poltronas no mundo para tão poucas idéias. Quantas cabeças vazias em poltronas realmente confortáveis... E mais: reclináveis. Quando eu tiver uma casa, terei uma poltrona vermelha para filosofia. Da mais barata a mais rebuscada. Sim, móveis vermelhos para contrastar com a minha apatia.
Os pensamentos acabam dentro de uma caixa de ferro furiosamente surrada pelos buracos no asfalto. Calor, barulho, tortura. O alarme da marcha ré é ativado. Sabe Deus por quê. Não pára. Os pensamentos são cortados. Dilacerados. E eu assisto a tudo da minha poltrona com vista pro chão. Para os anúncios nas paredes. Mendigos e vagabundos de suor reluzente. Da minha poltrona nada fede. Nunca mais eu levanto daqui.