quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O Mar.

Pulou, então de pés juntos. Poderia ter segurado os joelhos, mas preferiu erguer os braços com se quisesse prolongar-se por toda a extensão desde a rocha até a água. Voou por alguns segundos até tocá-la. Primeiro com os pés. Depois com tudo o que de seu corpo não havia ainda se molhado. Era fundo. Enormes bolhas projetavam-se lentamente para fora de sua boca e explodiam à superfície. Bradou, ainda que sem voz, alguma frase inaudível e indecifrável.
Com o rosto maravilhado diante do espetáculo que presenciava ao seu redor podia então perceber toda aquela vida subaquática que pulsava, dançava e acendia em fortes tons reluzentes. Todas as cores fundiam-se às suas pupilas. Sorriu. Escapou-lhe, então, mais três grandes bolhas que subiam defronte seus olhos – Vem dos meus pulmões e agora pertence à água – concluiu. Lembrou-se de que não fazia distinções entre ar e água – é a mesma coisa em diferentes estados. Lembrou-se ainda de que um terço de seu corpo era água. Mas não conseguia mais entender assim. Agora dois terços de água transformaram-se em corpo. Não havia mais diferentes estados depois que a última bolha de ar saiu de sua boca. Sentiu, mais uma vez, o próprio corpo em toda a sua extensão: cabelos, orelhas, dentes, areia, sanguessugas, bolhas e algumas plantas aquáticas.
Percebeu, então, um fio de vermelho reluzente que saía de suas costelas desenhando longas espirais que dançavam ao passo que diluíam em água, ganhando um tom róseo à medida que se distanciavam de sua origem. Tocou o furo que acabara de se abrir em seu tronco enquanto voltava, levemente, à superfície.
Com os olhos fixos nas nuvens ao longe, sorriu radiante. Um sorriso lento e involuntário que se abria largamente com o ritmo do vento frio que lhe tocava, agora, desde a cintura, até o topo da cabeça. Retirou a mão do ferimento e observou cuidadosamente as pontas dos dedos vermelhas, assim como seu braço que se avermelhava com as gotas de sangue-água que escorriam. Pintou os próprios lábios com as os dedos trêmulos e gelados de sabor metálico e vermelho. Sabor vermelho-metálico – pensou.
Entregue a toda a vida que percebia, os cabelos derramavam-se sobre a testa, orelhas, rosto, e costas. Baixou ainda o olhar para ver as pupilas que se dirigiam às suas e pronunciou, com toda a verdade que guardava em si: – é tudo lindo.
Voltou então ao mundo submerso ao qual pertencia agora. Era seu o mundo inteiro e era agora todo o mar.